A Odontologia vive uma das maiores transformações de sua história. A incorporação do planejamento virtual, da cirurgia guiada, das impressoras 3D, dos softwares avançados e dos protocolos digitais aplicados aos tecidos duros e moles tornou-se não apenas uma ferramenta, mas uma verdadeira filosofia clínica. Na Aula 10 da Trilha do Conhecimento, registrada no eBook de 2025, os especialistas Dr. Lucas Capeletti (implantodontia digital) e Dr. Lucas Queiroz (periodontia digital) apresentaram uma síntese extraordinária dessa nova era e é justamente essa síntese que este blog traduz em uma narrativa completa e integrada.
No centro de toda a abordagem digital está o planejamento. Inspirado na filosofia de Simon Sinek (“Comece pelo porquê”), o Dr. Capeletti reforça que planejar é o que garante tranquilidade, previsibilidade e longevidade. São três pilares inegociáveis na implantodontia moderna. A máxima é simples: quanto mais tempo se dedica ao planejamento, menos tempo será gasto corrigindo erros durante ou após a execução.
Na aula os professores apresentaram casos reais que ilustraram perfeitamente esse ponto. Um dos exemplos mais marcantes é o de um paciente jovem que recebeu um implante de incisivo lateral totalmente vestibularizado, exigindo sua remoção e refazimento. Em outro caso, um implante imediato foi colocado excessivamente coronal, o que o especialista chamou de “morte programada”.
Esses erros não ocorreram por falta de técnica, mas por falhas de planejamento e deixam evidente por que o ambiente virtual é hoje indispensável. O planejamento digital reduz variações, antecipa problemas, corrige angulações impossíveis de prever clinicamente e estabelece limites biológicos e mecânicos antes mesmo de a broca tocar o osso.
Uma das maiores confusões entre os clínicos é acreditar que cirurgia guiada é sinônimo de flapless ou que é uma técnica “apenas para iniciantes”. O eBook deixa claro: cirurgia guiada não simplifica o processo, ela qualifica.
A guiada é uma ferramenta tecnológica construída a partir da fusão do DICOM da tomografia com o STL do escaneamento intraoral, possibilitando um design de guia altamente preciso, que será impresso em tecnologias como SLA ou DLP. Mas a precisão depende do planejamento e, delegar esse planejamento a terceiros sem formação cirúrgica não apenas contraria a filosofia da guiada, como abre espaço para erros com consequências graves.
Mais do que facilitar a execução, a guiada reduz o risco de variações tridimensionais que podem comprometer a longevidade do implante. E essa não é uma opinião: dados apresentados por Capeletti mostram que implantes mal posicionados têm um risco 48 vezes maior de desenvolver peri-implantite quando comparados a fatores como tabagismo ou histórico periodontal.
Em outras palavras, se o posicionamento é o principal determinante de sucesso ou fracasso, a ferramenta mais segura para garantir esse posicionamento é a cirurgia guiada.
Não existe fluxo digital que compense parâmetros biológicos negligenciados. Números que todo implantodontista deveria saber:
É necessário ter pelo menos 1,8 a 2,0 mm de espessura de tábua vestibular.
Pacientes com apenas 1,2 mm podem evoluir, em três meses, para fenestrações de cerca de 3 mm.
O tecido mole também tem exigências rígidas:
Mínimo de 2 mm de espessura, ideal acima de 3 mm.
2 mm de mucosa queratinizada ao redor do implante.
A ausência desses requisitos se manifesta de maneira silenciosa, porém destrutiva: remodelação acelerada da crista, sensibilidade, piora dos indicadores inflamatórios e, em casos severos, perda de até metade da área óssea integrável.
Assim, o planejamento digital não serve apenas para escolher o local do implante: ele também revela se é necessário intervir nos tecidos antes da cirurgia. A tecnologia digital, portanto, se integra tanto à implantodontia quanto à periodontia.
O eBook deixa claro que a minoria dos casos está realmente indicada para cirurgia flapless. Para que essa técnica seja aplicada com segurança, todos os critérios precisam ser atendidos simultaneamente:
Espessura de tecido mole acima de 3 mm
Presença de queratinizada maior que 2 mm
Tábua vestibular mínima após instalação
Ausência de necessidade de osteoplastia
Estética favorável
Por isso, a frase dos autores se tornou um mantra moderno da implantodontia:
“Nem toda cirurgia guiada será flapless, mas toda cirurgia flapless deveria ser guiada.”
A tecnologia elimina a chance de erro quando não existe margem para erro.
Os autores revisitam a literatura clássica para explicar de maneira clara:
Para ganho de mucosa queratinizada → enxerto gengival livre
Para ganho de espessura → enxerto conjuntivo
O timing é igualmente importante.
O enxerto gengival livre não deve ser realizado no dia da instalação do implante. Ele precisa ser feito 60 a 90 dias antes, pois os retalhos de cada procedimento são incompatíveis.
O conjuntivo, por outro lado, tem sua melhor indicação no mesmo dia da instalação do implante, possibilitando uma única etapa cirúrgica.
Esse tipo de integração entre perio e implante, apresentada pelos especialistas, mostra o quanto a odontologia contemporânea exige visão multidisciplinar.
Os casos clínicos apresentados demonstram com clareza a capacidade das tecnologias digitais de transformar cirurgias complexas em procedimentos mais previsíveis.
Foi demonstrado, por exemplo:
Recobrimento radicular associado a implante imediato, com uso simultâneo da guia para permitir uma execução flapless e, ao mesmo tempo, viabilizar um retalho avançado de Zucchelli.
Correção de extremo livre com guia mucosuportada, usando pinos de fixação para garantir estabilidade.
Implante imediato com carga realizada a partir de extração flapless guiada, permitindo controle do envelope ósseo.
Esses exemplos reforçam que a tecnologia não elimina a necessidade de habilidade, mas expande as possibilidades do cirurgião experiente.
A parte conduzida pelo Dr. Lucas Queiroz é um marco na periodontia digital. Segundo o eBook, 50% de todas as falhas em procedimentos implantodonticos e periodontais têm origem no diagnóstico inadequado.
A integração entre tomografia, escaneamento e softwares 3D permite:
Determinar com precisão a relação entre margem gengival, JCE e crista óssea
Planejar periodontia de forma tridimensional
Criar guias específicas para intervenções complexas
Acompanhar longitudinalmente a cicatrização
Mais do que apenas adotar tecnologia, é a periodontia se reinventando — e o Brasil está na liderança dessa reinvenção.
O auge da inovação apresentada no eBook é o desenvolvimento do CAF Guide, o primeiro guia cirúrgico do mundo para recobrimento radicular, criado em 2023 e publicado internacionalmente.
Ele resolve falhas críticas do recobrimento tradicional, como:
Erros no desenho do retalho
Dificuldade em definir a área doadora
Risco aumentado na região palatina
Incisões imprecisas
Falta de padronização
O guia determina automaticamente:
Altura ideal do retalho
Dimensão exata do enxerto
Distâncias seguras da artéria palatina
Limites precisos de incisão
Depois dele, foi criado o MCAF Guide, uma versão adaptada para recessões múltiplas. Publicado em 2025, ele demonstrou recobrimento completo em 3 meses e excelente cicatrização em 15 dias.
Ambos são marcos mundiais desenvolvidos por um grupo brasileiro, algo raro e extremamente significativo para a odontologia nacional.
Os professores apresentaram os principais softwares usados tanto na implantodontia quanto na periodontia digital.
Para implantes:
Softwares com inteligência artificial que sugerem posições ideais automaticamente.
Para periodontia:
Exocad adaptado, devido à ausência de um software periodontal nativo.
Manobras específicas para adaptar o fluxo protético às necessidades teciduais.
Além disso, a impressão 3D via SLA ou DLP se tornou padrão ouro para guias pela precisão e custo-benefício. Para casos altamente personalizados, softwares gratuitos como MeshMixer e Blender também são utilizados.
O biomaterial apresentado, The Graft Collagen, mostra como a integração entre biologia e tecnologia é fundamental. O material possui excelente moldabilidade, partículas pequenas e boa integração, sendo eficiente para:
Preenchimento de gaps periimplantares
Regeneração óssea guiada
Preservação alveolar
Junto ao planejamento e execução guiada, ele compõe um fluxo digital-biológico coeso e eficiente.
Para os autores, a tecnologia digital não é um luxo: é um compromisso ético com a excelência.
Ela traz:
✅Reprodutibilidade
✅Previsibilidade
✅Menos improviso
✅Segurança anatômica
✅Diagnóstico superior
✅Padrão elevado de qualidade
Como disse o Dr. Capeletti:
"Qual é o preço da minha tranquilidade? Qual é o preço do meu compromisso com a excelência?"
E a resposta da odontologia moderna é clara: a tecnologia é a ferramenta que torna essa excelência possível — e mensurável.
Capeletti, L.; Queiroz, L. Trilha do Conhecimento – Aula 10: Tecnologia Digital no Planejamento e Execução dos Procedimentos Cirúrgicos. Purgo Masterclass, 2025.