A degeneração da cartilagem articular é um dos problemas clínicos mais frustrantes da medicina regenerativa. Seja por lesões esportivas, degeneração crônica ou osteoartrite, a cartilagem tem capacidade limitada de autorreparo, devido à ausência de vascularização e baixa densidade celular.
O Plasma Rico em Plaquetas (PRP) surgiu como uma alternativa biológica promissora, oferecendo fatores de crescimento que estimulam regeneração tecidual. Entretanto, os resultados clínicos com PRP são altamente variáveis — um reflexo das diferenças nos protocolos de centrifugação, no preparo e na liberação dos fatores bioativos.
Nos últimos anos, uma pergunta passou a nortear a pesquisa nesse campo:
👉 Podemos melhorar a performance biológica do PRP ajustando o modo de centrifugação?
A resposta, segundo o estudo de Masuki et al. (Universidade de Osaka, Japão, publicado no Platelets, 2018), é sim — e com resultados notáveis.
O trabalho analisou de forma comparativa o desempenho da Fibrina Rica em Plaquetas Injetável (i-PRF), preparada com centrifugação em baixa velocidade, frente ao PRP convencional. O foco principal: avaliar a regeneração de cartilagem articular em modelo animal e compreender os mecanismos celulares e inflamatórios envolvidos.
Tradicionalmente, o PRP é obtido por centrifugação em altas rotações (≈2700 rpm por 10 minutos), separando o plasma das hemácias e concentrando plaquetas. O problema é que essa força centrífuga elevada elimina também leucócitos e células-tronco circulantes, além de induzir lesão mecânica nas plaquetas, comprometendo sua viabilidade.
Em contrapartida, o conceito de “Low-Speed Centrifugation” (LSCC) — ou centrifugação em baixa rotação — propõe reduzir a força centrífuga para preservar as células viáveis e obter uma matriz de fibrina tridimensional natural. Essa matriz, rica em plaquetas e leucócitos, libera fatores de crescimento de forma lenta e sustentada, criando um microambiente biologicamente ativo por mais tempo.
A i-PRF surge, portanto, como uma evolução do PRP, mais rica em conteúdo celular e funcionalmente mais estável.
Os pesquisadores de Osaka conduziram um estudo experimental em modelo animal (coelhos), comparando o potencial regenerativo da i-PRF e do PRP sobre lesões condrais padronizadas.
Amostra: 24 coelhos adultos com defeito de cartilagem no côndilo femoral.
Grupos experimentais:
Controle: sem tratamento;
PRP convencional: preparado a 2700 rpm por 10 min;
i-PRF: obtida a 700 rpm por 3 min (conceito LSCC).
Análise histológica e imunohistoquímica em 4 e 8 semanas.
Marcadores avaliados: deposição de colágeno tipo II, formação de matriz extracelular, vascularização inicial e expressão de citocinas inflamatórias (IL-1β, TNF-α).
Os achados foram expressivos e consistentes:
| Parâmetro | PRP Convencional | i-PRF (Low-Speed) |
|---|---|---|
| Centrifugação | 2700 rpm / 10 min | 700 rpm / 3 min |
| Viabilidade plaquetária | Moderada | Elevada |
| Presença de leucócitos | Baixa | Alta |
| Formação de matriz de fibrina | Ausente | Densa e tridimensional |
| Liberação de fatores de crescimento | Rápida, curta duração | Lenta e contínua |
| Regeneração condral (8 sem) | Parcial | Quase completa |
| Expressão de colágeno tipo II | Média | Significativamente maior (p < 0,01) |
| Citocinas inflamatórias (IL-1β, TNF-α) | Elevadas | Significativamente menores (p < 0,05) |
Histologicamente, o grupo tratado com i-PRF apresentou superfície articular contínua, matriz homogênea e coloração compatível com cartilagem hialina, enquanto o PRP mostrou apenas tecido fibrocartilaginoso irregular.
Além disso, o grupo i-PRF exibiu menor inflamação local e melhor integração com o osso subcondral, indicando uma regeneração funcional e morfologicamente mais eficaz.
A superioridade da i-PRF está diretamente relacionada à biologia celular preservada pela baixa rotação.
Durante o processo LSCC:
As plaquetas mantêm sua integridade estrutural, liberando gradualmente PDGF, TGF-β, VEGF e IGF-1 ao longo de vários dias.
Leucócitos e monócitos permanecem na matriz, secretando citocinas anti-inflamatórias e estimulando diferenciação condrogênica.
A fibrina tridimensional atua como andaime natural (scaffold), sustentando migração celular e deposição de matriz extracelular.
O resultado é um microambiente de reparo mais equilibrado, com inflamação controlada e regeneração tecidual sustentada — exatamente o que se busca em terapias autólogas modernas.
Embora o estudo tenha sido conduzido em modelo animal, os resultados trazem implicações diretas para protocolos humanos.
A regeneração mais completa e a menor inflamação local sugerem que a i-PRF pode representar um avanço clínico significativo para o tratamento de:
Lesões condrais pós-traumáticas;
Osteoartrite precoce;
Procedimentos artroscópicos regenerativos;
Infiltrações intra-articulares adjuvantes;
Protocolos estomatológicos e ortopédicos que dependem de regeneração osteocondral.
Na prática, o uso da i-PRF pode significar:
Menos dor e inflamação pós-procedimento;
Reparo tecidual mais duradouro e funcional;
Maior previsibilidade dos resultados em terapias regenerativas personalizadas.
O estudo de Masuki et al. deixa uma lição simples, porém profunda:
a forma como centrifugamos o sangue muda a biologia do material obtido.
A adoção do protocolo LSCC permite:
Melhor preservação celular (plaquetas, leucócitos, CD34+);
Liberação gradual de fatores de crescimento, prolongando o estímulo regenerativo;
Maior viscosidade e coesão do material, facilitando aplicação injetável;
Redução de inflamação e fibrose local.
Assim, o profissional que já domina o PRP pode migrar facilmente para o protocolo i-PRF, mantendo a simplicidade do procedimento, mas aumentando exponencialmente a eficiência biológica.
Os autores reconhecem algumas limitações importantes:
O estudo foi pré-clínico (modelo animal), exigindo validação em ensaios clínicos humanos.
Não foram comparadas diferentes variações de tempo e força de centrifugação.
A quantificação direta de fatores de crescimento (por ELISA, por exemplo) não foi detalhada.
Ainda assim, a evidência histológica e imunohistoquímica oferece base robusta para ampliar o uso clínico da i-PRF e refinar protocolos regenerativos já aplicados na odontologia, ortopedia e medicina estética.
“A fibrina rica em plaquetas injetável, produzida sob baixa rotação, mantém maior viabilidade celular e promove regeneração de cartilagem mais eficiente do que o PRP convencional.”
— Masuki et al., Platelets (2018)
A i-PRF, portanto, representa a nova geração de terapias autólogas, unindo simplicidade de preparo, estabilidade biológica e resultados regenerativos superiores.
O conceito LSCC redefine o paradigma do PRP, transformando um procedimento rotineiro em uma ferramenta de engenharia biológica de alto desempenho.
Masuki S., et al. Injectable platelet-rich fibrin using the low-speed centrifugation concept improves cartilage regeneration when compared to platelet-rich plasma. Platelets. 2018;29(5):1–7.
DOI: 10.1080/09537104.2017.1401058
| Aspecto | PRP Convencional | i-PRF (LSCC) |
|---|---|---|
| Força de centrifugação | Alta (2700 rpm) | Baixa (700 rpm) |
| Tempo de preparo | 8–10 min | 3 min |
| Conteúdo celular | Plaquetas | Plaquetas + Leucócitos + CD34+ |
| Fibrina 3D | Ausente | Presente |
| Liberação de fatores | Rápida (horas) | Sustentada (dias) |
| Inflamação local | Alta | Reduzida |
| Aplicabilidade | PRP líquido, infiltrações | Infiltrações, preenchedores biológicos, regeneração condral |
| Resultado histológico | Fibrocartilagem | Cartilagem hialina quase completa |
A próxima fronteira é a padronização clínica da i-PRF: identificar parâmetros ideais de centrifugação, avaliar resultados em humanos e integrar essa técnica a protocolos combinados (como uso com microfat, ácido hialurônico ou biomateriais).
Com base nas evidências atuais, a i-PRF se posiciona como a principal candidata a substituir o PRP convencional nos próximos anos, em diversas áreas da medicina regenerativa — da ortopedia à harmonização orofacial.
Resumo final:
A i-PRF é mais do que uma variação técnica do PRP — é um salto biológico rumo a terapias regenerativas mais previsíveis, fisiológicas e eficazes.
O futuro da medicina autóloga passa pela baixa rotação e alta performance celular.